segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

2º classificado de Nilton Silveira

SAMBA-ENREDO
 
Rio de Janeiro – Brasil – Início do Terceiro Milênio.

Agitada, a comunidade da Favela do Belém deixa a reunião na quadra da Escola de Samba, na qual foi apresentado o planejamento das atividades para o próximo carnaval, o que motiva todos a darem início às tarefas concernentes ao enredo escolhido: o Natal. São quase dois mil foliões prontos a recomeçar sentindo o gosto da vitória conquistada na última Festa de Momo, cujo término ocorreu há apenas dois meses.

Em seu barraco, iniciando o trabalho de confecção das asas que farão parte de sua reluzente fantasia, o benzedeiro Ângelo Gabriel olha através da janela e avista Maria, a jovem que fará o papel de Nossa Senhora na avenida. Ele a chama e, debruçado no peitoril, anuncia:

─ Nêga Maria, se prepare! Daqui a uns oito meses, você será mãe de um lindo moleque!

Maria acredita piamente nas previsões do rezador, que, para ela e a vizinhança, além de ser um bom homem, defende de feitiços e cura maus-olhados. Os dois conversam por um instante e ela prossegue, com sua lata d’água na cabeça, a pensar: Como dizer ao meu Zé que estou grávida, se ele, além de ser velho, diz que é estéril?

Contudo, apesar de preocupada, Maria, recém chegada da Vila Nazaré, alegra-se com a possibilidade de vir a ser mãe e dar ao filho o nome sonhado desde que se entende por gente: Jesus.

A princípio, ao receber a notícia de que a mulher está para ter um filho, Zé pensa até em separação, mas pergunta de si para si: Como vou viver longe da mulher que amo?... Resulta que, refletindo, decide assumir a paternidade da criança e tudo volta às boas na família.

Nesse clima de paz, Maria não falta a um ensaio sequer; mesmo com uma barriga de quase nove meses, como diz Don’Ana, sua mãe. Hoje, por exemplo, quase sem poder calçar a sandália ─ tanto é o inchaço dos pés ─, ela argumenta: Gente! Eu não posso faltar! É 24 de dezembro, véspera do Natal, e nada pode ser mais oportuno do que uma grande festa na quadra, já que o enredo de nossa Escola de Samba é uma exaltação ao nascimento de Jesus!

Próximo da meia-noite, preocupados com as próprias performances e indumentárias, os outros carnavalescos estão apostos e, sem que ninguém se dê conta da ausência de Maria no barracão, o mestre da bateria toma o microfone e grita: Vamos cantar o Natal aí, gente!

Assim, ao chamado do apito, retumba a bateria e a comunidade belenense canta o refrão do samba-enredo: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!

Nesse momento, uma estrela cadente rasga os ares e, do barraco em que se encontram Maria e Zé – com seus cães, gatos, passarinhos e uma tartaruga –, ecoa o vagido do menino Jesus... Jesus da Silva.


Sem comentários:

Enviar um comentário